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Referendo autonomico na Bolívia

A expressiva vitória do sim no referendo (sendo o sim significando o apoio ao estatuto autonômico) com 85,06% dos votos validos acirraram os ânimos no debate sobre a questão da autonomia na Bolívia. Muitos analistas consideraram o resultado como uma derrota para o governo de Morales e naturalmente uma vitória para aqueles que lutam para aumentar a autonomia dos departamentos na Bolívia.

Tão logo começaram a sair os resultados parciais, a vitória do sim já parecia estar garantida e os organizadores da campanha pró-autonomia já começavam a comemorar. Em contrapartida Morales e oficiais de seu governo, também antes do resultado final, já começavam a anunciar o “fracasso” do referendo. Segundo Morales, o referendo falhou em sua proposta porque teve um alto grau de abstenção, cerca de 35%. Para o governo isso significou que mais de 50% da população se posicionou contra o estatuto de autonomia, uma vez que se forem somados os percentuais dos que votaram contra (14%), mais os votos em branco e nulo e as abstenções, chegaria a mais de 50%.

O que parece certo neste momento é que os partidários de uma maior autonomia nos departamentos bolivianos parecem ter ganhado um importante respaldo popular que aumentou consideravelmente o seu poder de barganha. O governo boliviano já acenou que está disposto a negociar o mérito, contudo ao que parece nada de concreto ocorrerá enquanto não forem realizados os referendos nos demais departamentos, nos quais a expectativa pela vitória do sim é grande.

Uma questão importante que deve ser levada em conta é a possibilidade de uma possível secessão na Bolívia, evento que tem preocupado alguns setores do governo e tem sido utilizado como argumento daqueles que são contra os estatutos autonômicos. Até o presente momento uma cisão do Estado Boliviano parece altamente improvável. Os principais atores envolvidos no processo da autonomia já declararam que o projeto é de promover uma “federalização” e não uma independência. Até por que um processo de independência, aparentemente, não possuiria nenhum apoio internacional, uma vez que não só os países vizinhos como organismos internacionais, como a OEA, já se manifestaram contra uma possível secessão.

Tudo o que resta é observar o desenrolar das negociações vindouras para saber até onde o processo de autonomia dos departamentos bolivianos irá e torcer para que o conflito permaneça nas mesas de negociação e não transborde para as ruas, como frequentemente tem ocorrido na Bolívia.

maio 12, 2008 at 1:16 pm 1 comentário

Cautela na transição política no Zimbábue

Desde de que chegou ao poder em 1980, sendo o primeiro líder negro do país, Robert Mugabe tem permanecido no poder e para muitos apenas tem conseguido tal feito por governar o país com mão de ferro e ganhando eleições no mínimo controversas.

As eleições parlamentares desse ano nos chamam a atenção pela inédita vitória do partido de oposição, o MDC (Movement for Democratic Change). O MDC conseguiu pela primeira vez, na “Era Mugabe” a maioria no Parlamento, após uma contestada recontagem de votos. A vitória deve ser considerada expressiva em função do clima de violência política que reina no país e ronda os simpatizantes da oposição.

O século XXI tem sido particularmente conturbado no que se refere às eleições no Zimbábue. Em 2002 após a reeleição de Mugabe, considerada altamente controversa, o país foi suspenso da Commonwealth (Confederação de Estados que faziam parte do Império Britânico, com exceção de Moçambique). Em 2005 o partido do presidente Mugabe, o Zanu-PF, conseguiu mais de dois terços dos assentos no Parlamento, o que permitiu o presidente fazer, inclusive, algumas reformas Constitucionais. Esta eleição foi considerada altamente injusta e falha pela oposição e por observadores internacionais.

Agora finalmente, a oposição conseguiu uma expressiva vitória eleitoral. Resta saber se uma possível transição política pacifica irá ocorrer no Zimbábue ou o clima de intimidação política continuará a minar os esforços da oposição, acusada por Mugabe de ser a ferramenta do Ocidente no país. Os desdobramentos futuros serão cruciais para saber se essa transição poderá desembocar ou não em um conflito civil aberto.

abril 26, 2008 at 3:29 pm Deixe um comentário

Quem ganhou e quem perdeu na tensão entre a Colômbia e Equador?

Antes de tentar analisar os fatos e aferir quem saiu vitorioso da confusão que se instalou no noroeste da América do Sul, é preciso deixar claro que as perdas e ganhos são bastante relativos, afinal elas estão sujeitas a interpretação e juízo de valor. Dito isso, expressarei como vejo que ficou a situação dos principais atores envolvidos em toda esta celeuma.

Colômbia – O episódio do ataque foi um erro para justificar um “acerto”. Definitivamente, violar a soberania de qualquer país é uma ofensa grave, mas na balança de perdas e ganhos, Uribe julgou que valeria a pena se arriscar com Rafael Correa do que deixar Reyes fugir mais uma vez. A Morte de Reyes foi a maior vitória do governo contra as FARC. Mais ainda, infelizmente, foi uma vitória da saída bélica para a resolução da guerra civil colombiana. Passado o episódio. Uribe ganhou pontos por reconhecer a violação da soberania equatoriana e pedir desculpas por isso. Ainda, sua decisão de não mandar tropas para suas fronteiras, mesmo vendo suas fronteiras ficarem apinhadas de soldados da Venezuela e do Equador, foi fundamental para conter uma possível escalada do conflito.
No final das contas, Uribe conseguiu importantes vitórias na sua guerra contra as FARC e por conseqüência na política interna. No plano externo sua imagem ficou um pouco arranhada, mas conseguiu evitar um conflito que não era interessante para ninguém.

Equador – De certa forma saiu vitorioso, afinal conseguiu que a Colômbia se desculpasse pelo ataque e uma prometesse que esse tipo de ação não se repetiria. Entretanto, julgo que Correa deixou transparecer falta de personalidade no inicio da tensão. Em seu primeiro pronunciamento, Correa apenas pediu uma investigação militar do incidente e chegou até a se oferece como mediador entre Uribe e as FARC. Em virtude dos ataques verbais de Chávez e de suas atitudes (fechar a Embaixada Venezuela na Colômbia e mandar tropas pra fronteira), Correa parece não ter tido opção e também encrudesceu o seu tom, dificultando o entendimento entre o seu governo e o colombiano. De qualquer forma, o resultado foi favorável de um modo geral.

Venezuela – Aparentemente, um dos que saiu mal da história. Chávez desde o inicio funcionou como combustível na fogueira. Suas palavras e atitudes foram as grandes responsáveis pelo acirramento dos ânimos. Obteve uma derrota política ao não ver a Venezuela incluída na resolução da OEA. Depois disso, passou a defender uma saída pacífica e inclusive pedir a politização das FARC. Chávez, para muitos, saiu como um grande encrenqueiro do conflito, sem sua influência sobre Correa, a tensão poderia não ter passado de um incidente facilmente manejável.

FARC – sofreu uma seqüência de derrotas. Em uma semana viu dois de seus principais membros serem mortos, Raúl Reyes e Ivan Rios. Perdeu sua aura de invencibilidade ao perder tão importantes líderes. Viu todos seus dois pretensos “aliados”, Equador e Venezuela, negarem veementemente suas ligações com as FARC e ainda viu Chávez pedir a eles que depusessem suas armas (saída pouco provável). Se não bastasse isso tudo, ainda terão de enfrentar Uribe com animo renovado em virtude de suas vitórias recentes.

Nicarágua – Apareceu como um oportunista. Ortega, que rompeu as relações diplomáticas com a Colômbia em solidariedade ao Equador e também em função de uma contenda entre a Nicarágua e a Colômbia envolvendo limites marítimos (um motivo legítimo, mas por si só ainda não tinha motivado nenhuma reação mais dura por parte de Ortega). O interessante é que nem 24hs depois que Oretga havia formalizado o rompimento das relações com a Colômbia, a crise havia sido resolvida, restando ao presidente da Nicarágua voltar atrás de sua decisão.

OEA/Grupo do Rio – Os dois foros regionais foram vitais para solução dos conflitos. Primeiro, na OEA as partes chegaram a um consenso para a elaboração de uma resolução. Em um segundo momento, já no Grupo do Rio, toda a tensão foi resolvida e terminou com vários apertos de mãos. A única preocupação que ainda paira é se o fato de tudo ter sido resolvido na reunião do Grupo do Rio, ter esvaziado a reunião da OEA, fazendo com que sua resolução tenha perdido importância. Julgo que o foro da OEA foi imprescindível para que se pudesse chegar a um acordo na reunião do Grupo do Rio, foi o primeiro passo.

Brasil – Até a reunião da OEA o Brasil teve um papel importante, atingindo o seu ápice na segunda rodada de negociações. Após uma primeira reunião infrutífera, o Embaixador brasileiro Osmar Chohfi teve um papel destacadissímo ao mediar as partes na segunda reunião. Sua habilidade diplomática permitiu que fosse formulada a resolução da OEA, a primeira vitória do esforço multilateral para evitar a escalada do conflito.
Num segundo momento, na reunião do Grupo do Rio, o Brasil perdeu uma enorme oportunidade de participar da solução da controvérsia. Para um país que se pretende líder de uma região, abster-se de participar da solução do conflito constitui-se um grande erro. Para alguns a decisão do não comparecimento de Lula foi na realidade uma estratégia para “blindá-lo” de possíveis problemas, até em função da imprevisibilidade de Chávez, que tem roubado a cena de Lula no protagonismo regional. Enfim, mérito para a diplomacia brasileira representada por Osmar Chohfi e demérito para Lula por ter perdido a oportunidade de ter sido o grande mediador e por conseqüência o protagonista da solução desse episódio.

 Leonardo Neves

março 8, 2008 at 3:52 pm Deixe um comentário

Eleições na Rússia

Neste domingo (02/03) os russos foram às urnas e, ao que tudo indica, elegeram Dmitri Medvedev como seu próximo presidente. Com quase 50 % das urnas apuradas, Medvedev, lidera a contagem com quase 70% dos votos válidos. O segundo colocado, o comunista Gennady Zyuganov, conquistou quase 20% dos votos contabilizados. Como já era de se esperar, Zyuganov já se manifestou dizendo que o processo eleitoral foi permeado de irregularidades e que irá recorre à justiça.

Desde a aproximação da convocação das eleições russas um caloroso debate envolveu a política russa. A oposição vem a tempos se manifestando em relação ao retrocesso democrático que vem ocorrendo na Rússia. O regime de Putin tem sido acusado de marginalizar a oposição, principalmente, através de um forte controle dos meios de comunicação. Um forte indicador deste fato foi a generosa parcela cedida a candidatura de Medvedev em detrimento dos demais. A voz da oposição, aparentemente, só consegue ganhar soar livre na Internet. Segundo Kovalev (antigo dissidente soviético), Putin e seus aliados criaram um sistema no qual é “impossível vencê-los em uma eleição”. Outro fator que denota a concentração de poder nas mãos do Kremlin foi a abolição das eleições diretas dos governadores das regiões e repúblicas russas, depois da tragédia de Beslan (atentado terrorista por milicianos chechenos em uma escola em 2004).

Com todo este poder em suas mãos, Putin, conseguiu emplacar o seu candidato, que da mostras claras de ser um “candidato do continuísmo”. Um bom fato para corroborar este argumento é o apontamento de Putin para o, recém criado, poderoso cargo de Primeiro Ministro pelo “quase-presidente” Medvedev.

Em contraste a todo esse retrocesso democrático e acúmulo de poder por parte de Putin e seus aliados é preciso registrar que para implementar tais políticas, Putin contou como respaldo uma enorme popularidade entre os russos. Nestes oito anos à frente do governo russo, Putin conseguiu deixar a economia russa robusta e controlar os conflitos internos.

Os altos investimentos no setor de hidrocarbonetos (praticamente monopolizado pelo governo) e a conjuntura favorável da economia mundial permitiram que a economia russa se tornasse sólida, proporcionando ainda um crescimento de 7% médio. Panorama este que não deve se alterar num futuro próximo, uma vez que o país já conta coma terceira maior reserva do mundo de petróleo. Aliado ao crescimento macroeconômico, também foi possível detectar uma considerável evolução social, principalmente com a diminuição da pobreza.

No que se refere aos conflitos internos, Putin praticamente conseguiu apaziguar a Chêchenia. Atualmente, não há nenhuma ameaça clara a integridade territorial do país. As medidas de concentração de poder político tomadas após a tragédia de Beslan parecem ter sido determinante para o controle de tais conflitos.

Sobre este breve panorama que se realizou as eleições russas. E sobre elas paira uma importante questão: até que ponto vale a pena cercear os direitos democráticos como os de livre expressão e associação para se obter reais avanços econômicos e sociais? O fato de Putin ter tirado a Rússia do “poço” lhe dá credenciais para acumular quase todo o poder político russo e perpetuar a sua influência?

Leonardo Neves

março 3, 2008 at 9:57 am Deixe um comentário


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